Uso da MDMA para tratamento do estresse pós-traumático é rejeitado por painel de especialistas do FDA

Decisão aponta inconsistência nos dados apresentados, falhas no estudo e questiona real eficácia da utilização da droga. O uso da MDMA (metilenodioximetanfetamina) para o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) foi rejeitado por um grupo de consultores da FDA, a Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos. Nesta terça-feira (04), conselheiros da agência reguladora votaram sobre a eficácia da droga, derivada da anfetamina, cujo uso entre os jovens tem aumentado nas últimas décadas. A votação terminou com resultado de 10 a 1 contra os benefícios da MDMA quando usado para tratar o transtorno. Os consultores alegaram dados falhos do estudo, conduta de pesquisa questionável e risco significativos do medicamento. (veja mais abaixo) A FDA não é obrigada a seguir o conselho do grupo de especialistas, mas é o que geralmente acontece. A agência deve tomar a decisão final até agosto e a opinião negativa pode fortalecer a justificativa da agência para rejeitar o tratamento. Em caso de aprovação, a MDMA, também chamada de ecstasy, se tornaria o primeiro psicodélico ilegal nos EUA a ser incorporado à medicina convencional - no Brasil, o uso da droga também é proibido. O tratamento seria em cápsulas, fabricadas pela empresa de biotecnologia Lykos Therapeutics, e destinado a ser administrado a pacientes em combinação com sessões de terapia. Falhas no estudo e riscos da droga A votação sobre o uso da droga aconteceu na tarde desta terça após horas de perguntas e crítica sobre a pesquisa enviada sobre a MDMA. Os especialistas apontaram falhas nos estudos, que poderiam ter distorcidos os resultados, e ausência de dados de acompanhamento sobre os resultados dos pacientes. Outro ponto questionado pelos conselheiros foi a falta de diversidade entre os participantes da pesquisa. A grande maioria dos pacientes era branca, com apenas cinco negros recebendo MDMA. "O fato de este estudo ter tantos participantes brancos é problemático porque não quero que algo seja lançado que ajude apenas este grupo", disse Elizabeth Joniak-Grant, representante de pacientes do grupo. Os consultores da FDA também relembraram as alegações de má conduta nos testes que surgiram recentemente no noticiário e em um relatório do Instituto para Revisão Clínica e Econômica. A organização sem fins lucrativos avalia tratamentos experimentais com drogas. "Não estou convencido de que esta droga seja eficaz com base nos dados que vi", disse o Dr. Rajesh Narendran, um psiquiatra da Universidade de Pittsburgh que presidiu o painel. Psicodélicos para uso terapêutico Este é o primeiro de uma série de psicodélicos — como LSD e psilocibina — que serão avaliados pela FDA nos próximos anos, à medida que cresce a pesquisa e o interesse em seu potencial para tratar condições de saúde como depressão, vício e ansiedade. Atualmente, apenas antidepressivos são aprovados pela FDA para o tratamento do TEPT, condição intimamente ligada à depressão, ansiedade e comportamento suicida (entenda mais abaixo). O TEPT também é mais prevalente entre mulheres e veteranos de guerra. Apesar disso, a análise da FDA sobre a MDMA ressalta as dificuldades envolvidas no estudo de drogas psicodélicas. "A avaliação deste pedido é tanto significativa quanto complexa," afirmou no início da reunião desta terça-feira a revisora da FDA, Tiffany R. Farchione, diretora da Divisão de Psiquiatria do Centro de Avaliação e Pesquisa de Medicamentos da agência. Como a MDMA provoca experiências psicológicas intensas, quase todos os pacientes em dois grandes estudos perceberam se tinham recebido a droga ou um placebo (substâncias inertes). Isso é algo que prejudica a objetividade necessária em pesquisas de alta qualidade, onde os pacientes não devem saber qual tratamento eles recebem. “Isso dificulta saber quanto do efeito do tratamento é um benefício real e quanto é devido ao viés de expectativa,” pontuou Farchione. Sede da Food and Drug Administration (FDA), agência que regula medicamentos nos Estados Unidos, em White Oak, no estado norte-americano de Maryland. REUTERS/Andrew Kelly/File Photo Riscos de segurança Os reguladores da FDA também estão preocupados com os riscos de segurança da MDMA, incluindo a possibilidade de os pacientes se machucarem durante os efeitos da droga, que podem durar mais de oito horas. Fora isso, a substância também pode aumentar a pressão arterial. Devido a esses riscos, a FDA propôs limites rigorosos para o uso da MDMA: Apenas médicos e terapeutas especialmente certificados poderiam prescrever e administrar a droga. Os pacientes teriam que ser registrados e acompanhados ao longo do tempo. E profissionais de saúde precisariam estar disponíveis para monitorar os sinais vitais dos pacientes enquanto tomam a substância. Representantes da Lykos Therapeutics, uma ramificação da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (MAPS), o principal grupo de defesa dos psicodélicos do país, disseram nesta terça que concordam com essas precauções e es

Jun 8, 2024 - 06:20
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Uso da MDMA para tratamento do estresse pós-traumático é rejeitado por painel de especialistas do FDA

Decisão aponta inconsistência nos dados apresentados, falhas no estudo e questiona real eficácia da utilização da droga. O uso da MDMA (metilenodioximetanfetamina) para o tratamento do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) foi rejeitado por um grupo de consultores da FDA, a Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos. Nesta terça-feira (04), conselheiros da agência reguladora votaram sobre a eficácia da droga, derivada da anfetamina, cujo uso entre os jovens tem aumentado nas últimas décadas. A votação terminou com resultado de 10 a 1 contra os benefícios da MDMA quando usado para tratar o transtorno. Os consultores alegaram dados falhos do estudo, conduta de pesquisa questionável e risco significativos do medicamento. (veja mais abaixo) A FDA não é obrigada a seguir o conselho do grupo de especialistas, mas é o que geralmente acontece. A agência deve tomar a decisão final até agosto e a opinião negativa pode fortalecer a justificativa da agência para rejeitar o tratamento. Em caso de aprovação, a MDMA, também chamada de ecstasy, se tornaria o primeiro psicodélico ilegal nos EUA a ser incorporado à medicina convencional - no Brasil, o uso da droga também é proibido. O tratamento seria em cápsulas, fabricadas pela empresa de biotecnologia Lykos Therapeutics, e destinado a ser administrado a pacientes em combinação com sessões de terapia. Falhas no estudo e riscos da droga A votação sobre o uso da droga aconteceu na tarde desta terça após horas de perguntas e crítica sobre a pesquisa enviada sobre a MDMA. Os especialistas apontaram falhas nos estudos, que poderiam ter distorcidos os resultados, e ausência de dados de acompanhamento sobre os resultados dos pacientes. Outro ponto questionado pelos conselheiros foi a falta de diversidade entre os participantes da pesquisa. A grande maioria dos pacientes era branca, com apenas cinco negros recebendo MDMA. "O fato de este estudo ter tantos participantes brancos é problemático porque não quero que algo seja lançado que ajude apenas este grupo", disse Elizabeth Joniak-Grant, representante de pacientes do grupo. Os consultores da FDA também relembraram as alegações de má conduta nos testes que surgiram recentemente no noticiário e em um relatório do Instituto para Revisão Clínica e Econômica. A organização sem fins lucrativos avalia tratamentos experimentais com drogas. "Não estou convencido de que esta droga seja eficaz com base nos dados que vi", disse o Dr. Rajesh Narendran, um psiquiatra da Universidade de Pittsburgh que presidiu o painel. Psicodélicos para uso terapêutico Este é o primeiro de uma série de psicodélicos — como LSD e psilocibina — que serão avaliados pela FDA nos próximos anos, à medida que cresce a pesquisa e o interesse em seu potencial para tratar condições de saúde como depressão, vício e ansiedade. Atualmente, apenas antidepressivos são aprovados pela FDA para o tratamento do TEPT, condição intimamente ligada à depressão, ansiedade e comportamento suicida (entenda mais abaixo). O TEPT também é mais prevalente entre mulheres e veteranos de guerra. Apesar disso, a análise da FDA sobre a MDMA ressalta as dificuldades envolvidas no estudo de drogas psicodélicas. "A avaliação deste pedido é tanto significativa quanto complexa," afirmou no início da reunião desta terça-feira a revisora da FDA, Tiffany R. Farchione, diretora da Divisão de Psiquiatria do Centro de Avaliação e Pesquisa de Medicamentos da agência. Como a MDMA provoca experiências psicológicas intensas, quase todos os pacientes em dois grandes estudos perceberam se tinham recebido a droga ou um placebo (substâncias inertes). Isso é algo que prejudica a objetividade necessária em pesquisas de alta qualidade, onde os pacientes não devem saber qual tratamento eles recebem. “Isso dificulta saber quanto do efeito do tratamento é um benefício real e quanto é devido ao viés de expectativa,” pontuou Farchione. Sede da Food and Drug Administration (FDA), agência que regula medicamentos nos Estados Unidos, em White Oak, no estado norte-americano de Maryland. REUTERS/Andrew Kelly/File Photo Riscos de segurança Os reguladores da FDA também estão preocupados com os riscos de segurança da MDMA, incluindo a possibilidade de os pacientes se machucarem durante os efeitos da droga, que podem durar mais de oito horas. Fora isso, a substância também pode aumentar a pressão arterial. Devido a esses riscos, a FDA propôs limites rigorosos para o uso da MDMA: Apenas médicos e terapeutas especialmente certificados poderiam prescrever e administrar a droga. Os pacientes teriam que ser registrados e acompanhados ao longo do tempo. E profissionais de saúde precisariam estar disponíveis para monitorar os sinais vitais dos pacientes enquanto tomam a substância. Representantes da Lykos Therapeutics, uma ramificação da Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (MAPS), o principal grupo de defesa dos psicodélicos do país, disseram nesta terça que concordam com essas precauções e esperam que isso acelere a aprovação da droga. "É claro que a terapia assistida por MDMA seria uma adição bem-vinda às opções atualmente disponíveis," disse à agência Associated Press Kelley O'Donnell, psiquiatra da Universidade de Nova York que ajudou a conduzir os estudos com MDMA. "Eu vi pessoalmente como esse tratamento pode salvar vidas para alguns". O que é a droga A MDMA é uma droga artificial que causa alucinações e atua como estimulante. Segundo o Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos EUA (NIDA, na sigla em inglês), a substância distorce a percepção sensorial e temporal, intensificando sensações e também é conhecida como entactógeno, aumentando a autoconsciência e a empatia. Sua forma mais comum de uso é em pílulas ou cápsulas, mas muitas dessas pílulas contêm não só MDMA como também outras substâncias, como metanfetamina, ketamina, cafeína, heroína e cocaína. Ainda de acordo com o NIDA, quando a MDMA é tomada em comprimidos ou cápsulas, seus efeitos surgem após 45 minutos, atingindo o pico em 15-30 minutos, durando cerca de três horas, embora os efeitos colaterais possam ser sentidos dias depois. Geralmente, uma ou duas cápsulas são consumidas por dose, contendo entre 50 e 150 miligramas de MDMA. Muitas vezes, uma segunda dose é consumida quando os efeitos da primeira começam a diminuir, aumentando o risco de efeitos colaterais adversos devido à combinação das duas doses. Imagem de comprimidos de ecstasy. Polícia Federal/Divulgação Transtorno de estresse pós-traumático O TEPT é um conjunto de sintomas originado por eventos muito estressantes, assustadores ou angustiantes. Segundo o NHS, o serviço de saúde britânico, a condição faz com que o paciente frequentemente reviva o evento traumático em pesadelos e flashbacks, além de sentir-se isolado, irritado e culpado. Em alguns casos, também é comum sentir dificuldades para dormir, como insônia, e ter dificuldades de se concentrar. Esses sintomas geralmente são graves e persistentes, afetando significativamente a vida diária da pessoa. Ainda de acordo com o NHS, ele costuma ser desencadeado por: Acidentes graves Agressões, como agressão sexual, assalto à mão armada Problemas sérios de saúde Experiências negativas de parto Ou outras condições traumáticas em geral Estima-se que o quadro afete cerca de 1 em cada 3 pessoas que passam por uma experiência traumática, embora não esteja claro por que algumas desenvolvem a condição e outras não. LEIA TAMBÉM: Como psicodélicos estão sendo usados no Brasil para aliviar o medo da morte em doenças graves Estudo aponta como drogas psicodélicas podem se tornar aliadas no tratamento da depressão Terapia com droga psicodélica reduz o consumo excessivo de álcool em mais de 80%, diz estudo VÍDEO: O uso dos psicodélicos para saúde mental O uso dos psicodélicos para saúde mental

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