Aedes 2.0: o que o atual surto mostra sobre a evolução do agente transmissor da dengue

Atualmente capaz de se reproduzir em água contaminada e de ocupar locais antes desfavoráveis para sua circulação, a espécie se mostra com uma capacidade imensa de adaptação. O Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, tem uma grande capacidade de adaptação. CDC A capacidade de adaptação é uma das características mais importantes para que uma espécie consiga sobreviver ao tempo e às mais diferentes mudanças no ambiente. E essa qualidade o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, tem de sobra. Em meio à explosão de casos de dengue no país, os especialistas alertam que as mudanças no comportamento do mosquito são um fator que pode contribuir para o número elevado de casos observado. Isso porque essa capacidade é o que permite com que o Aedes seja uma das espécies invasoras mais bem sucedidas do Brasil. Mesmo com a adaptação sendo algo comum entre os animais, no caso do transmissor da dengue, essa característica chama a atenção pela eficiência. Sérgio Luz, pesquisador da Fiocruz Amazônia, comenta que o mosquito tem uma capacidade imensa de se adaptar ao ambiente, o que contribui para a proliferação da espécie. "Há tempos o Aedes vem se adequando ao ambiente urbano. Aos poucos, o mosquito foi acostumando e se adaptando até a regiões que antes não tinha condições favoráveis à presença da espécie", analisa Sérgio Luz. A professora do departamento de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, Maria Anice Mureb Sallum, relaciona essa característica da espécie à atuação do ser humano. "O mosquito evoluiu junto com o homem urbano. Ele foi se adaptando aos ambientes criados pelo homem de maneira muito efetiva", afirma. Existe um sangue preferido pelo Aedes aegypti? Saiba o que é verdade e o que é mito sobre o mosquito Mosquito mutante Entre todas as adaptações que o Aedes foi capaz de fazer ao longo do tempo, os especialistas pontuam que três merecem destaque nos últimos anos: 1. Reprodução em água contaminada Se antes o observado era que a fêmea do Aedes colocava os ovos somente em água limpa, atualmente já há criadouros do mosquito em água contaminada com matéria orgânica e até em água salobra. Maria Anice, que estuda a ação de mosquitos vetores de agentes infecciosos há mais de 45 anos, reforça a relação direta dessa adaptação com a ação do homem. "Quando falamos de reprodução em água salobra não é no mar. São em barcos abandonados, que contêm um resquício de água salgada, e que acabam também acumulando água da chuva. É mais um criadouro colocado artificialmente no ambiente pelo homem que favorece a presença do mosquito", explica. Técnicos aplicam o larvicida nos barcos do porto de Noronha Ana Clara Marinho/TV Globo Sérgio também lembra que o mosquito desenvolveu uma boa capacidade de colocar seus ovos em locais inóspitos, mas que tenham potencial para se tornarem criadouros. "Às vezes, o Aedes coloca ovos em locais ainda secos, por exemplo, mas que vão encher de água. E os ovos, apesar de eclodirem no ambiente úmido, são muito resistentes ao ambiente seco", detalha. Quem teve dengue pode doar sangue? Ministério recomenda intervalo também para quem tomou vacina 2. Ampliação do horário de circulação Da mesma forma que o Aedes costumava preferir a água limpa para colocar os ovos, também era durante o dia que acontecia a maior circulação do mosquito – outra característica que mudou. A preferência desse período se dava por ser o momento mais quente do dia e pelo gosto da espécie pela luminosidade. Porém, com o aquecimento do clima de forma geral, em decorrência das mudanças climáticas, o transmissor da dengue mudou seus hábitos. "Não é mais aquele mosquito que pica só durante o dia. Ele se adaptou às diferenças climáticas e agora circula também em outros horários", observa Sérgio Luz. A iluminação artificial dos ambientes urbanos também é um fator que contribuiu para a mudança de comportamento do mosquito. Maria Anice explica que, com essa iluminação proporcionada pelo homem, o Aedes se sente mais confortável para circular em horários que antes não eram comuns. Apesar da mudança, a professora alerta que durante o dia ainda há uma chance maior de ser picado pelo mosquito. "Mesmo com as mudanças de comportamento, o pico de atividade da espécie segue sendo durante o dia, nas horas mais quentes", afirma. Repelente para dengue: conheça as diferenças e saiba por que os que têm Icaridina 25% são os mais indicados 3. Ocupação de áreas desfavoráveis à espécie Assim como as mudanças climáticas contribuíram para a circulação do transmissor da dengue em diferentes horários ao longo do dia, elas são fundamentais para que ele seja capaz de ocupar locais antes considerados desfavoráveis para a espécie. "Com as alterações no clima, e o aumento do período de dias mais quentes, há a presença do mosquito em áreas que antes não tinham condições ecológicas adequadas para o estabelecimento da espécie", diz Maria Anice. Nesse cenário, o mosquito é levado pelo próprio homem para esses novos locais, encontra um ambien

Mar 8, 2024 - 18:01
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Aedes 2.0: o que o atual surto mostra sobre a evolução do agente transmissor da dengue

Atualmente capaz de se reproduzir em água contaminada e de ocupar locais antes desfavoráveis para sua circulação, a espécie se mostra com uma capacidade imensa de adaptação. O Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, tem uma grande capacidade de adaptação. CDC A capacidade de adaptação é uma das características mais importantes para que uma espécie consiga sobreviver ao tempo e às mais diferentes mudanças no ambiente. E essa qualidade o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, tem de sobra. Em meio à explosão de casos de dengue no país, os especialistas alertam que as mudanças no comportamento do mosquito são um fator que pode contribuir para o número elevado de casos observado. Isso porque essa capacidade é o que permite com que o Aedes seja uma das espécies invasoras mais bem sucedidas do Brasil. Mesmo com a adaptação sendo algo comum entre os animais, no caso do transmissor da dengue, essa característica chama a atenção pela eficiência. Sérgio Luz, pesquisador da Fiocruz Amazônia, comenta que o mosquito tem uma capacidade imensa de se adaptar ao ambiente, o que contribui para a proliferação da espécie. "Há tempos o Aedes vem se adequando ao ambiente urbano. Aos poucos, o mosquito foi acostumando e se adaptando até a regiões que antes não tinha condições favoráveis à presença da espécie", analisa Sérgio Luz. A professora do departamento de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da USP, Maria Anice Mureb Sallum, relaciona essa característica da espécie à atuação do ser humano. "O mosquito evoluiu junto com o homem urbano. Ele foi se adaptando aos ambientes criados pelo homem de maneira muito efetiva", afirma. Existe um sangue preferido pelo Aedes aegypti? Saiba o que é verdade e o que é mito sobre o mosquito Mosquito mutante Entre todas as adaptações que o Aedes foi capaz de fazer ao longo do tempo, os especialistas pontuam que três merecem destaque nos últimos anos: 1. Reprodução em água contaminada Se antes o observado era que a fêmea do Aedes colocava os ovos somente em água limpa, atualmente já há criadouros do mosquito em água contaminada com matéria orgânica e até em água salobra. Maria Anice, que estuda a ação de mosquitos vetores de agentes infecciosos há mais de 45 anos, reforça a relação direta dessa adaptação com a ação do homem. "Quando falamos de reprodução em água salobra não é no mar. São em barcos abandonados, que contêm um resquício de água salgada, e que acabam também acumulando água da chuva. É mais um criadouro colocado artificialmente no ambiente pelo homem que favorece a presença do mosquito", explica. Técnicos aplicam o larvicida nos barcos do porto de Noronha Ana Clara Marinho/TV Globo Sérgio também lembra que o mosquito desenvolveu uma boa capacidade de colocar seus ovos em locais inóspitos, mas que tenham potencial para se tornarem criadouros. "Às vezes, o Aedes coloca ovos em locais ainda secos, por exemplo, mas que vão encher de água. E os ovos, apesar de eclodirem no ambiente úmido, são muito resistentes ao ambiente seco", detalha. Quem teve dengue pode doar sangue? Ministério recomenda intervalo também para quem tomou vacina 2. Ampliação do horário de circulação Da mesma forma que o Aedes costumava preferir a água limpa para colocar os ovos, também era durante o dia que acontecia a maior circulação do mosquito – outra característica que mudou. A preferência desse período se dava por ser o momento mais quente do dia e pelo gosto da espécie pela luminosidade. Porém, com o aquecimento do clima de forma geral, em decorrência das mudanças climáticas, o transmissor da dengue mudou seus hábitos. "Não é mais aquele mosquito que pica só durante o dia. Ele se adaptou às diferenças climáticas e agora circula também em outros horários", observa Sérgio Luz. A iluminação artificial dos ambientes urbanos também é um fator que contribuiu para a mudança de comportamento do mosquito. Maria Anice explica que, com essa iluminação proporcionada pelo homem, o Aedes se sente mais confortável para circular em horários que antes não eram comuns. Apesar da mudança, a professora alerta que durante o dia ainda há uma chance maior de ser picado pelo mosquito. "Mesmo com as mudanças de comportamento, o pico de atividade da espécie segue sendo durante o dia, nas horas mais quentes", afirma. Repelente para dengue: conheça as diferenças e saiba por que os que têm Icaridina 25% são os mais indicados 3. Ocupação de áreas desfavoráveis à espécie Assim como as mudanças climáticas contribuíram para a circulação do transmissor da dengue em diferentes horários ao longo do dia, elas são fundamentais para que ele seja capaz de ocupar locais antes considerados desfavoráveis para a espécie. "Com as alterações no clima, e o aumento do período de dias mais quentes, há a presença do mosquito em áreas que antes não tinham condições ecológicas adequadas para o estabelecimento da espécie", diz Maria Anice. Nesse cenário, o mosquito é levado pelo próprio homem para esses novos locais, encontra um ambiente agora favorável e tem facilidade em se reproduzir e se dispersar. Por isso tem se observado a circulação do Aedes em locais mais frios e mais altos, o que antes era incomum. Sérgio Luz alerta que a circulação da espécie nessas novas regiões pode contribuir para o aumento de casos. "O mosquito encontra uma população altamente vulnerável, que nunca teve dengue. É o cenário perfeito para a alta de casos: um mosquito adaptado, o vírus circulando e uma população vulnerável", analisa. Como parar o Aedes? A evolução e mudança do comportamento do mosquito também criam uma maior dificuldade no combate da espécie no país. Para uma ação efetiva a médio e longo prazo, Maria Anice destaca que o planejamento por parte das autoridades é essencial. "São necessárias mudanças nas políticas públicas, com a colaboração de diversos setores da sociedade. E, a longo prazo, precisaríamos começar a discutir medidas de manejo do ambiente urbano, para que esse meio deixe de ser favorável ao mosquito", afirma. Em meio a epidemia de dengue que o Brasil vivencia, os especialistas afirmam que as medidas mais urgentes são de combate tanto à fase aquática do mosquito – isso é, com a eliminação dos potenciais criadouros para as larvas –, como da fase adulta, com inseticidas. Mas, para surtirem efeito, eles reforçam a necessidade de a população agir em conjunto com o poder público. "É necessária uma participação mais ativa da sociedade, das autoridades e investimento em métodos de controle vetorial do mosquito mais modernos", recomenda Sérgio Luz. Quando a dengue evolui para morte?

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